Em algum momento de 2010 eu vi o documentário Pixo. O documentário esboça uma narrativa sobre a origem do picho em São Paulo e na época a questão sobre uma leitura artística sobre manifestação periférica. Nele tem uma cena em que um dos entrevistados comenta que não sabe ler letra de forma, mas entende as letras do pixo e lê vários pixos na sequência. Naquela época eu fiquei pensando muito no sistema de ensino, que geralmente é cheio de coisas que não se conectam com a nossa realidade e geralmente tentavam nos afastar e hostilizar manifestações como o pixo. Apesar de já lidar um pouco com design não traçava ali nenhuma conexão com o assunto.
A primeira vez que ouvi falar sobre legibilidade e cultura foi em 2015 quando participei de um encontro de tipografia e ouvi a pesquisadora Carolina Ferreira citar que a legibilidade, além de ter uma relação com a construções de formas e contraformas das letras tem também haver com cultura. Pra mim até aquele momento legibilidade era uma questão técnica, quase que uma equação visual que sempre tinha uma única resposta: a melhor identificação das letras. Porém, além das questões formais, o melhor desempenho de um determinado tipo de letra é fortemente influenciado pelo o quanto aquele tipo de letra é utilizado em um determinado tipo de peça ou cultura e isso abriu muitas possibilidades de leitura sobre o conceito legibilidade na minha cabeça.
Se a gente parar pra refletir o alinhamento da legibilidade com a cultura acaba até sendo uma conexão direta entre as duas coisas, numa condicional de existência para a legibilidade, já que não vai existir uma solução gráfica que te faça identificar sinais que nunca lhe foram apresentado. Nisso acabei pensando agora o quanto essas regras de boa forma que praticamos em grande medida no design contemporâneo com suas origens nos hábitos de leitura de uma cultura europeia são impositivas e no quanto as pessoas se incomodam quando elas não são seguidas a risca, já que é uma agressão aquilo que foi ensinado a respeitar. Dá para entender que a prática da legibilidade desconectada da cultura é como o molde na boca de uma extrusora, vem esmagando todos os excessos para tudo atravessar o mesmo molde. A legibilidade formal sem a influência da nossa cultura é uma visão que se impõe e nos impede de fluir e construir outras possibilidades formais.
Todas as construções formais que existem nas manifestações não oficiais da escrita não estão fugindo a legibilidade, mas talvez se estrangulando para outras formas de legibilidade que toda uma cultura vai absorve-la e tomá-la para si.