Uma das dificuldades de uma pessoa racializada no Brasil, é o acesso ao seu passado. Muitas vezes por que esse acesso as vezes nem é natural, pois o estado fez um processo de apagamento dessa memória e não houve interesse em registrá-la. Já ouvi relatos de pessoas que foram para Europa tentar reencontrar seus laços familiares, que foram atrás da sua dupla cidadania, mas ouvi poucas histórias de pessoas que foram a África tentar o mesmo.
Registros
Em um trabalho que estou fazendo para o Museu Imigração de São Paulo um dos itens do seu acervo é um grande livro onde se anotavam o nome das pessoas vindas pra cá e maiss algumas informações de como chegou e para onde iriam depois. Esse livro possui registros do período em que houve uma grande volume de imigrantes vindo de outros países. A vinda dessas pessoas em sua maioria saindo de um contexto de guerra para serem direcionadas como mão de obra barata para fazendas de café do estado, não é uma memória bonita no sentido comum, mas é uma memória. Se alguém teve algum familiar que chegou ao Brasil nesse período vindo da Europa, talvez encontre informações sobre essas pessoas e talvez consiga se conectar a esse passado.

Do lado da memória negra, o percurso da memória desse tipo não passa por uma Hospedaria de Imigrantes, passa por registros de navios, sem nomes, anúncios de vendas e compra de pessoas escravizadas, pinturas, gravuras e fotografias que nos registravam como objeto de estudo. O estado não se interessou na memória dessas pessoas, não havia interesse na narrativa dessas pessoas enquanto pessoas portadoras de histórias e saberes.


Esse desinteresse pelas histórias dos povos originários e de África segue o interesse do colonizador e levado para escolas, onde muitas vezes se perpetua o início das histórias das pessoas negras a partir da escravidão e não da suas origens.
Acesso x Retomada
A memória não tá precisa, então pode ter algumas falhas, mas uma vez fui no Aparelha Luzia junto com a Giulia ver uma fala da Rosana Paulino. Era uma fala bem solta, ela comentando sobre seu processo criativo e mostrando alguns trabalhos. Falando sobre o trabalho Assentamento de 2013 comentou sobre ter que pedir autorização para usar a imagem de mulher negra que ela encontrou em um livro, pois a imagem pertencia a um acervo. Ela seguiu seu trabalho sem pedir autorização ao acervo pois aquela imagem pertencia muito mais a ela do que ao acervo.

Eu acho esse gesto muito importante, pois a partir dele de entender o pertencimento daquela imagem é uma possibilidade de construção de memória. O acervo geralmente cumpre um papel importante de preservação, mas se o acesso a essa memória não é fácil, de que serve o acervo?
Essa retomada dessas imagens está dada.
Construção de novas memórias
A partir da possibilidade de se reapropriar dessas imagens hoje é possível construir uma nova história e um novo imaginário sobre esse passado para um futuro que nos inclui.
Alguns artistas nesse caminho como Rosana Paulino, Eustáquio Neves, Denilson Baniwa, Gê Viana, Chris Tigra, Guilherme Bretas partem desses acervos e vestígios de passado constroem outras narrativas que por lugares como a imaginação, questionamento, ironia e negação e apropriação dessas acervos de imagens do período colonial.
Vestígios, Acervos e processos
Esse texto dialoga com o trabalho Vestígios que você pode acessar no link: https://guilhermevieira.info/trabalhos/vestigios/.

Se você tiver interesse em acessar alguns acervos, segue os que eu já utilizei recentemente:
- https://brasilianafotografica.bn.gov.br/
- https://www.brasilianaiconografica.art.br
- https://bndigital.bn.gov.br/
- https://www.flickr.com/photos/arquivonacionalbrasil
- http://acervo.mp.usp.br/IconografiaV2.aspx
- https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/1
Algumas dicas:
- Além dos acervos funciona bem procurar pelo nome de gravuristas da época como “Jean-Baptiste Debret¨ no seu buscador podem resultar em imagens interessantes encontradas as vezes em casas de leilão ou de lugares que revendem impressos de imagens em domínio público.
- Uma dica que recebi foi em sites gringos como o Artvee buscar pelo nome de capitais ou estados do Brasil como Rio de Janeiro, Minas Gerais, etc costumam retornar algumas coisas bacanas.
- O site da Brasiliana deixa você visualizar a imagem com boa resolução mas a imagem não está disponível para download. Pra isso eu fiz um scriptizinho em python pra baixar as imagens em sua totalidade, pra quem quiser testar é esse aqui: Baixar-Brasiliana.
Aviso, algumas desses sites tem imagens que podem possuir direitos de uso, mas sobre isso eu compartilho do pensamento que o acesso a elas deveria ser livre, então roube elas de volta pra você.